sábado, 7 de agosto de 2010

Malditos sejam os ignorantes


O ignorante pode causar danos maiores do que um criminoso. O criminoso não diz que seu gesto é correto, ele não se afirma como modelo de moralidade e civilidade, ele simplesmente comete o crime e sabe que está sujeito às penas da lei e à força da Justiça. Talvez o ignorante não cometa crimes, mas tem o physique du rôle para cometer atrocidades muito maiores do que aquelas que ele mesmo repudia. Ele comete erros e aposta na própria retidão. Ele desrespeita as leis e vê nisso um modelo a ser seguido. Ele acha que ordem é falta de liberdade e, por isso, se acha oprimido. É o ignorante que afaga a cabeça do criminoso quando este está sendo justamente cobrado por seus atos. Se encararmos cada pessoa como um exemplo de conduta, não é difícil perceber que o lugar do ignorante é no fim da lista. Ele comete erros com a firme convicção de que está agindo certo e fazendo um bem para a sociedade, quando a realidade é exatamente o contrário disso.
Alguns exemplos podem deixar as coisas mais claras.
Há pessoas que levam cachorros à praia e que ignoram a lei que proíbe isso. Elas ignoram o fato de que cachorros na praia podem causar problemas e que, portanto, leis são uma resposta a questões sociais importantes. O ignorante acha que, como seu cachorro é educado e vacinado, a lei não serve para ele. Ele se acha com razão em levar o bicho à praia. E leva. Ele não se limita a desrespeitar a lei; ele desrespeita também aqueles que tentam orientá-lo ou exigir-lhe o cumprimento da lei. Se você já tentou se comunicar com um sujeito desses, sabe do que estou falando. Um maçarico é mais respeitável e educado do que ele.
Também é comum aquele tipo de ignorante que acredita que o mundo é o seu filme. Ele liga o som do carro no volume máximo ou dá festas às 3 horas da manhã — e acha mesmo que todos preferem festejar a dormir a essa hora. O ignorante realmente acredita que vai conquistar mulheres se tiver bazookas e subwoofers funcionando a carga plena em seu carro. E é uma coincidência irritante o fato de nenhum desses imbecis ser capaz de ouvir música decente; você nunca vê um sujeito desses ouvir Mozart, Pixinguinha ou Benny Goodman. Só se ouve lixo, como se o prazer estivesse não na música alta, mas em contaminar os ouvidos alheios. O mesmo raciocínio vale para muitos motoqueiros, churrasqueiros, botequeiros e os eternos candidatos a algum cargo político — todas as pessoas que adoram música ruim e alta, que falam berrando e que ignoram o valor da quietude e da discrição.
Há também o ignorante do trânsito. Ele esquece que está numa via pública e que, portanto, ruas, calçadas e ciclovia não lhe pertencem exclusivamente. Quando dirige um carro ou um caminhão, esse sujeito não vê motivos para andar dentro do limite de velocidade. Se ele estiver de moto, além de ignorar o limite de velocidade, ele acredita ser o super-homem cruzando o céu de Metrópolis. Quando pedala, ele não acredita que as leis de trânsito lhe sirvam; para ele, contramão é algo que só diz respeito aos carros. E quando caminha, não vê qualquer problema em passear pela ciclovia ou pela rua, disputando com carros, caminhões, motos e bicicletas um espaço que ele acha que é dele. Nesses casos, independentemente de como o ignorante se desloca, ele sempre acreditará estar certo e o outro, errado. Ele simplesmente não vê motivos para agir de outra forma. Pensar raramente está em seus planos.
E eu nem falei de filas de banco, da arte das construções irregulares e da paixão pelo descarte irracional de lixo — outros grandes momentos da ignorância insular.
O leitor já deve ter notado que a ignorância a que me refiro não tem nada a ver com tempo de estudo. Pessoas que estudaram pouco apenas não têm conhecimento, mas raramente são ignorantes; elas não ignoram aquilo que não sabem, elas não recusam o conhecimento e, mais importante, elas não se apegam à própria miséria intelectual. O tipo mais abominável de ignorante é aquele que acha que sabe alguma coisa e que se orgulha da própria ignorância. É esse o tipo de pessoa que leva cachorros à praia, que caminha na ciclovia, que dirige a 80km/h, que dá festas de madrugada e que se orgulha dessas coisas tanto quanto a criança que esfrega caca na parede e sorri para a mamãe esperando beijos, abraços e aplausos.
É uma dura realidade. Para cada ignorante arruinando as poucas coisas boas que ainda existem nesta cidade há uma dezena de tolerantes patrocinando e aplaudindo essas criaturas. Assim fica difícil.


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